João Donato de Oliveira Neto
Filho de um major da aeronáutica, nasceu em Rio Branco no dia 17 de agosto de 1934, mas ainda pequeno mudou-se para o Rio de Janeiro. Ainda na adolescência demonstrou ter mais intimidade com a música que com os estudos regulares, que abandonou em 1949. Seu círculo de amizade era composto por músicos que se reuniam nos bares cariocas para tocar violão e, claro, falar de música. Nos anos 50, freqüentou o Sinatra-Farney Fan Clube, na Tijuca, zona norte carioca, que durou apenas 17 meses, considerado por muitos estudiosos como uma escola para toda a geração que mais tarde criaria a Bossa Nova.
Donato foi amigo de todos os expoentes do movimento bossanovista, como João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Johnny Alf, entre outros, mas nunca se encaixou dentro desse rótulo.Pelo contrário, era considerado um músico excêntrico que tocava para si e não para os contra baixistas e bateristas que tentavam lhe acompanhar ao acordeão, piano ou trombone. Também na década de 50, João Donato se muda para os Estados Unidos onde permanece durante 13 anos e realiza o que nunca tinha conseguido no Brasil: reincorporar a musicalidade afro-cubana ao jazz. Grava o disco A Bad Donato e compõe músicas como "Amazonas", "A Rã" e "Cadê Jodel". Retorna ao Brasil, reencontra a música brasileira que estava sendo feita no país, mas não abandona sua paixão pela fusão entre o jazz e ritmos caribenhos.Como arranjador participou de discos de grandes nomes da MPB como Gal Costa e Gilberto Gil.
João Donato de Oliveira Neto nasceu em Rio Branco, capital do Acre, no dia 17 de agosto em 1934. Seu pai, também chamado João Donato, era piloto de avião e nas horas vagas executava vôos domésticos sobre o bandolim. A mãe cantava e a irmã mais velha, Eneyda, estudava para ser concertista de piano. O caçula, Lysias, pendeu para as letras e acabaria se tornando o principal parceiro nas composições do irmão.
O primeiro instrumento de João foi o acordeom, no qual, aos oito anos, compôs sua primeira música, a valsa “Nini”. Antes de completar 12 anos, o pai presenteou-lhe com acordeons de 24 e 120 baixos. Em 1945, Donato pai é transferido, e a família tem de deixar Rio Branco rumo ao Rio de Janeiro.
Começo do caminhar pra beira de outro lugar. Em pouco tempo, o circuito musical passava a ser o das festas de colégios da Tijuca e adjacências. Tentou a sorte no programa de Ary Barroso. Intransigente, Ary rodou o tabuleiro da baiana e sequer quis escutá-lo, sob a alegação de que “não gostava de meninos-prodígio”. Sorte que havia ouvidos mais atentos.
Ao profissionalizar-se, em 1949, aos 15 anos, Donato ostentava no currículo as mitológicas jam-sessions realizadas na casa do cantor Dick Farney e no Sinatra-Farney Fã Club, do qual era membro. Johnny Alf, Nora Ney, Dóris Monteiro, Paulo Moura e até Jô Soares, no bongô, estavam entre os componentes destas vitaminadas jams.
Na primeira gravação em que participa, como integrante da banda do flautista Altamiro Carrilho, Donato toca acordeon nas duas faixas do 78 RPM: “Brejeiro”, de Ernesto Nazareth, e “Feliz aniversário”, do próprio Altamiro. Pouco depois, migra para o grupo do violinista Fafá Lemos, como suplente de Chiquinho do Acordeon.
A partir de 1953, agora como pianista, Donato passa a comandar suas próprias formações instrumentais,– Donato e seu Conjunto, Donato Trio, o grupo Os Namorados – com quem lança, em 78 RPM, versões instrumentais para standards da música americana (como “Tenderly”, sucesso de Nat King Cole) e brasileira (como “Se acaso você chegasse, do sambista gaúcho Lupicinio Rodrigues).
Três anos depois, a Odeon escala um iniciante para fazer a direção musical de “Chá Dançante” (1956), primeiro LP de Donato e seu conjunto. Um certo Antonio Carlos - que depois virou nome de aeroporto – pilotaria o disco do filho do aviador. O repertório escolhido por Tom Jobim era mesmo para decolar em qualquer baile de debutante: “No rancho fundo” (Lamartine Babo – Ary Barroso), “Carinhoso” (Pixinguinha – João de Barro), “Baião” (Luiz Gonzaga – Humberto), “Peguei um ita no norte” (Dorival Caymmi).
Em seguida, Donato passa uma temporada de dois anos em São Paulo. Quando volta ao Rio, a Bossa Nova estava deflagrada. O próprio João Gilberto revelou por aí que tirara a batida de violão revolucionária ao ver Donato tocar piano. Naquele mesmo 1958, grava “Minha saudade” e “Mambinho”, parcerias entre Joões Donato e Gilberto.
A convite de Nanai (ex integrante do grupo Os Namorados) parte para uma temporada de seis semanas em um cassino Lake Tahoe (Nevada) Donato relativizou a influência do Jazz, comungou a música do Caribe como integrante das orquestras de Mongo Santamaría, Johnny Martinez, Cal Tjader e Tito Puente. E até excursionou com João Gilberto pela Europa.
1962, hora de regressar ao Brasil. Ao menos no tempo justo de conceber dois clássicos sempre em voga da música instrumental brasileira – “Muito à vontade” (1962) e “A Bossa muito moderna de João Donato” (1963), ambos pela Polydor, relançados no começo dos anos 2000 em CD pela Dubas. É Donato ao piano, Milton Banana na bateria, Tião Neto no baixo e Amaury Rodrigues, na percussão.
Sobre “Muito à vontade”, o jornalista Ruy Castro escreveu, por ocasião de seu relançamento em CD: “foi o seu primeiro disco ao piano e o primeiro mesmo para valer, com nove de suas composições entre as 12 faixas (...). Donato, que estava morando nos Estados Unidos durante a explosão da Bossa Nova, era uma lenda entre os músicos mais novos - para alguns, pelas histórias que ouviam, ele devia ser algo assim como o curupira ou a cobra d'água. Este disco abriu-lhes novos horizontes e devolveu Donato a um movimento que ele, sem saber, ajudara a construir”. Estão lá “Muito à vontade”, “Minha saudade”, “Sambou, sambou”, “Jodel”.
“A Bossa muito moderna” introduz mais alguns temas originalmente instrumentais que, muitos anos depois, se tornariam obrigatórios em qualquer cancioneiro da MPB. Entre elas “Índio perdido”, que viraria “Lugar comum”, ao receber letra de Gilberto Gil. Gil também é parceiro nos versos que transformariam “Villa Grazia” em “Bananeira”. Já “Silk Stop” é o tema original sobre o qual Martinho da Vila escreveria “Gaiolas Abertas”. A influência da música cubana é evidente em “Bluchanga”, dos tempos em que Donato tocava com Mongo Santamaría.
Arruma a pianola e volta para os EUA. Desta vez, a temporada se estenderia por quase uma década. Trabalhou com Nelson Riddle, Herbie Mann, Chet Baker, Cal Tjader, Bud Shank, Armando Peraza, etc. Formou, ao lado de João Gilberto, Jobim, Moacir Santos, Eumir Deodato, Sergio Mendes e Astrud Gilberto, o time dos que tornaram o Brasil de fato reconhecido internacionalmente por sua música.
“Piano of João Donato: The new sound of Brazil” (1965) e “Donato / Deodato” (1969) saíram pela RCA e permanecem fora do catálogo no Brasil. Mas o disco que melhor representa a segunda temporada americana é “A Bad Donato” (1970), feito para o selo Blue Thumb, da California, e relançado em CD pela Dubas. Gravado em Los Angeles, “A Bad Donato” condensa funk, psicodelia, soul music, sons afro-cubanos, jazz fusion. Um Donato dançante, repleto de groove e veneno sonoro – antenadíssimo com o experimentalismo do sonho californiano - , considerado um dos 100 melhores discos de todos os tempos pela Revista Rolling Stone.
No Natal de 72, Donato deu uma passada no Rio e foi até a casa do compositor Marcos Valle. Quem também apareceu por lá foi o cantor Agostinho dos Santos, que sugeriu a Donato letrar suas criações instrumentais. Foi a senha para que os irresistíveis temas de Donato ganhassem contornos de canção popular. Valle aproveitou para convida-lo a gravar um novo disco no Brasil, com o repertório formado a partir deste novo cancioneiro. João estava de volta, absolutamente reinventado.
Donato conta como foi à jornalista Lia Baron: “Eu ia gravar instrumental dentro de alguns dias e o Agostinho dos Santos falou: ‘Vai gravar tocando piano de novo? Todo mundo já ouviu isso. Se fosse você, eu gravaria cantando”. Atendida a sugestão, Donato deixa de ser integrante exclusivo da seara instrumental e entra para a MPB. Além de Gil, Martinho e Lysias, Chico Buarque, Caetano Veloso, Cazuza, Arnaldo Antunes, Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Ronaldo Bastos, Abel Silva, Geraldo Carneiro e até o poeta Haroldo de Campos e o fonoaudiólogo e escritor Pedro Bloch tornaram-se parceiros de João.
O disco “Quem é quem”, lançado pela Emi, em 1973 traz as músicas “Terremoto”, “Chorou, chorou” (ambas com letra de Paulo César Pinheiro”), “Até quem sabe” (com Lysias), “Cadê Jodel?” (com Marcos Valle). Até Dorival Caymmi manda uma música inédita, “Cala a boca, Menino”. Em carta enviada a João Gilberto, em 13 de setembro de 73, Donato não esconde o entusiasmo: “É o meu melhor trabalho em discos até o momento, tendo-se em conta o tempo que demorou, o que demonstra o máximo cuidado com que tudo aconteceu. E o resultado é um disco que eu simplesmente acho adorável”. Também foi considerado um dos 100 melhores discos de todos os tempos pela Revista Rolling Stone. Em 2008 “Quem é Quem” foi tema de programa inteiramente dedicado a ele, pelo Canal Brasil, apresentado por Charles Gavin; e de livro escrito pelo produtor e músico Kassim.
O álbum seguinte, “Lugar comum” (1975), pela Philips, dá seqüência ao Donato vocalista, com a maior parte do repertório formado por ex-temas instrumentais. Há parcerias com Caetano Veloso (“Naturalmente”), Gutemberg Guarabyra (“Ê menina”), Rubens Confete (“Xangô é de Baê”). Só com Gil são oito, entre elas “Tudo tem”, “A bruxa de mentira”, “Deixei recado”, “Que besteira”, “Emoriô” e pelo menos dois standards para qualquer antologia da canção popular: a faixa-título e “Bananeira”.
No texto que preparou para o lançamento em CD de “Lugar comum”, pela Dubas, Donato revisita um certo dia de verão nos anos 70, na casa de Caetano. Ele se aproximara dos baianos a ponto de fazer a direção musical do show “Cantar”, de Gal Costa, registrado em disco no ano anterior: “Tava todo mundo: Bethânia, Gal, Caetano com Dedé e Moreno (...). Eles tinham meus dois discos “Muito à vontade” e “A bossa muito moderna” e eu sempre provocava, desafiando eles a fazer as letras. Quando surgiu essa melodia, o Gil inventou que era “bananeira não sei / bananeira sei lá (...)”. Daí eu disse: “quintal do seu olhar”. E ele: “olhar do coração. Como se fosse um ping-pong na segunda parte”.
Lembram daquela excursão que Donato fez à Europa com João Gilberto, logo depois da primeira temporada americana? Pois foi num vilarejo italiano que a bananeira foi plantada. Donato explica: “As minhas primeiras letras surgiram a partir desses temas instrumentais já gravados, que eu pensava que não iam ter letra nunca. “Bananeira” era “Villa Grazia”, o nome da pousadinha onde a gente ficou em Lucca, na Itália, acompanhando o João Gilberto numa temporada (...). Noventa e nove por cento das minhas músicas instrumentais trocaram de nome, por causa da letra”.
Depois desse período, Donato ficou quase vinte anos sem gravar. O mainstream da época parecia não absorver o que, felizmente, a turma pop começou a enxergar a partir dos anos 90. A volta de João ao mundo do disco acontece em 1996 (ele lançara apenas o instrumental e ao vivo “Leilíadas”, pela Philips, em 86), com o álbum “Coisas tão simples”, produzido por João Augusto, para a EMI. O disco traz “Doralinda”, parceria com Cazuza, além de novas colaborações com Lysias (“Fonte da saudade”), Norman Gimbel (“Everyday”), Toshiro Ono (“Summer of tentation”).
De lá pra cá, Donato tem lançado seus álbuns sobretudo por três gravadoras independentes: Pela Lumiar, de Almir Chediak: “Café com pão” (com o baterista Eloir de Moraes, 1997); “Só danço samba” (1999); os três volumes da coleção Songbook (1999), além de “Remando na raia” (2001), encontro com Emilio Santiago (2003) e o reencontro com Maria Tita (2006). Na Deckdisc, faz “Ê Lalá Lay-Ê” (2001), “Managarroba” (2002) e o instrumental “O piano de João Donato”, produzidos pelo roqueiro Rafael Ramos, além do disco gravado com Wanda Sá (2003).
Pela Biscoito Fino, saíram os encontros instrumentais com Paulo Moura (“Dois panos pra manga”, 2006) e Bud Shank (“Uma tarde com”, este também em DVD). Pela Biscoito, Donato fez ainda o DVD “Donatural” (2005), onde recebe – em gravação ao vivo no Espaço Sérgio Porto, no Rio – diversas gerações de parceiros: de Gilberto Gil ao DJ Marcelinho da Lua; de Emilio Santiago a Marcelo D2; de Leila Pinheiro a Joyce, com direito a Ângela Rô Rô e o filho Donatinho, fera dos teclados e dos samplers.
O escritor americano Allen Thayer sentencia, entre as doze páginas que escreveu sobre João para a revista nova-iorquina de Jazz, Wax Poetics, em 2007: “João Donato merece um lugar entre as lendas da música brasileira, ao lado de Antonio Carlos Jobim, João Gilberto, Dorival Caymmi, Ary Barroso e muitos outros, apesar de sua (...) experimentação com vários gêneros de música tornar um desafio classificá-lo”.
Já o blogueiro Alexandre Carvalho dos Santos não se preocupa com classificações. Em texto postado na internet, ele sugere a música de Donato como forma de curar a depressão: “Recomendo um show de João Donato não só a quem interesse uma música de primeira grandeza, um pianista impressionante e uma seleção de composições históricas. Recomendo para quem necessita de um antidepressivo, uma sessão de acupuntura ou qualquer outra forma de relaxamento profundo. Eu tive minha dose num domingo à noite, num show em São Paulo. Timing perfeito para começar a semana acreditando que a felicidade existe, apesar do patrão”.
João Donato vive no bairro da Urca, no Rio. Ele é casado com a jornalista Ivone Belem, desde 2001. É pai de Jodel, Joana e Donatinho.
Eu passei por Ponte Nova
Procurando Daniel
Disse um cascudo nas águas:
"Teu amigo foi pro céu
Foi botá Deus no seguro
No baú das buginganga
Levou faca afiadinha
Pra mió cortar laranja...
Levou a roupa de goleiro
Os baralho e as fritura
Na matula com cerveja
Pra comer sem dentadura"
Nem botei as flô na cova
Saí sem olhar para trás
Fomo os dois de Ponte Nova
Não voltamo nunca mais
Nem botei as flô na cova
Saí sem olhar pra trás
Fomo os dois de Ponte Nova
Não voltamo nunca mais
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