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terça-feira, 28 de abril de 2009

Do blog do Paulo Moreira Leite

Até o próximo escândalo

Ter, 28/04/09

por Paulo Moreira Leite |

categoria Geral

| tags Congresso, escândalos

Pode apostar: se a farra das passagens terminar de verdade, como ficou acertado pelos líderes da Câmara (leia nota anterior), a mídia, os eleitores e os políticos estarão à espera de um novo escândalo.

Muitos parlamentares explicam esse comportamento pela má vontade da mídia com o Congresso. A idéia é que a mídia procura escândalos, o eleitor fica irritado e não presta atenção naquilo que os parlamentares fazem de bom.

Por exemplo: nos mesmos dias em que sofria com as denúncias sobre as passagens, a Câmara regulamentava o salário mínimo. Pelas regras aprovadas, o menor salário brasileiro irá sofrer reajuestes periódicos nos próximos anos e em breve chegará a mais de R$ 700 reais. É um salto enorme, já que hoje não chega a R$ 500.

É uma medida de extrema relevância, tanto para quem recebe mínimo como para quem paga  — mas ninguém ficou sabendo disso, o que é mesmo preocupante. Os grandes jornais e revistas sequer mencionaram o assunto. Idem para a tV e o rádio.

Por que a imprensa age assim?

Não sou candidato a ombudsman. Apanhado com uma passagem ao Hawaí destinada a uma filha, o deputado (e colunista) Fernando Gabeira lembrou que, ao contrário do Executivo, o Congresso não publica anúncios nem informes publicitários, o que diminui sua capacidade de retaliar veículos que atuam na base do toma-lá-dá-cá. É um argumento sonante mas injusto com publicações sérias.

Como sempre acontece com as explicações simples, ela se baseia numa visão distorcida do problema.

Falta entender por que as denúncias contra o Congresso alimentam o interesse de tantas pessoas, comovem o brasileiro comum e deixam tantas famílias indignadas. A omissão sobre as novas regras do mínimo é um erro mas não resolve a pergunta: por que o público quer escândalos?

Eu acho que o brasileiro tem um sentimento de que o Congresso lhe deve alguma coisa e cada escândalo, cada denúncia, apenas ajuda a expressar uma queixa maior, uma crítica mais profunda. Tanto faz se são passagens, castelinhos, anões do orçamento ou sei lá o que. O povo tem raiva e quer expressar isso. É como aquela pessoa que tem raiva do vizinho que lhe fez alguma coisa — e nada consegue acalmar esse sentimento.
Por isso o eleitor dá audiência a denúncias e escândalos, que muitas vezes recebem uma audiência digna de um problema maior.

Talvez não seja difícil entender por que. A visão convencional diz que o Congresso custa muito e entrega pouco. A aprovação das regras do salário mínimo, uma medida tão  importante a que não se deu a mais leve atenção, mostra que há pelos uma distorção neste julgamento. Não foi a primeira vez nem será a única, com certeza.

Qual seria a razão de fundo, então?

Eu acho que a pista está numa reportagem de Ricardo Amaral, na Época desta semana. Ali, a partir de um dado apurado pela repórter Isabel Clemente , aparece um número  fundamental para entender um drama estrutural do Congresso brasileiro, que é a distância entre os políticos e população.

Estou falando do salário dos parlamentares, algo que mexe no coração da maioria das pessoas que, como sabemos, fica no bolso.

Época revela que um parlamentar brasileiro recebe o equivalente a 532 salários mínimos por ano. É muito dinheiro, um escândalo — do ponto de vista de uma população que ganha entre dois e três mínimos, em média. Para comparar, a revista mostra que um deputado americano recebe o equivalente a 112 salários. Também é muito dinheiro. Mas é uma boa diferença.

É uma realidade chocante e absurda. Não vou entrar no debate sobre poder de compra, valor relativo do mínimo em cada país e assim por diante. Não quero discutir o valor do salário dos deputados, nem suas necessidades, nem as peculiaridades brasileiras. Também não quero discutir a remuneração de executivos e altos funcionários de empresas privadas, que ganham muito mais do que um parlamentar.

Além de recordar que é o próprio eleitor que paga esse salário com seus impostos,  cabe anotar que estamos falando de uma brutal desigualdade num país onde esse assunto é motivo de indignação profunda e antiga.

Do ponto de vista do cidadão comum, nem o parlamento mais competente do sistema solar seria capaz de produzir um trabalho legislativo capaz de justificar uma remuneração tão alta.

Minha opinião é que essa desigualdade — duradoura, estrutural, sem solução à vista — ajuda a criar um país com muita raiva e ávido por denúncias, movido pelo ódio e pela culpa.

Sem reformas que diminuam essa distância entre eleitores e eleitos, que permitam uma maior transparência e controle sobre o trabalho parlamentar, no qual os políticos possam prestar contas do que fazem, não haverá eleitor que resista.

A fome de escândalos continuará como prato de todo dia.

Concorda?

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